terça-feira, 9 de agosto de 2011

Comerás o Melhor Desta Terra? Bp. Samuel Alves


Uma coisa que com certeza preocupa ao Senhor Deus é ver distorções no uso de sua Palavra. A Bíblia é cheia de afirmativas, boas e más, que podem ser usadas para o bem ou para o mal. E assim como temos as várias qualidades de afirmativas, temos várias qualidades de influenciadores no ceio da igreja. Uns para o bem, outros para o mal.  
Jesus Cristo, Paulo, Pedro, João, Judas, todos já alertavam sobre os falsos mestres, enganadores, em nosso meio. Sendo repetitivo, não eram falsos mestres fora da igreja, mas falsos mestres dentro da igreja (Mt 7.15; At 20.29; 1 Tm 4.1; 2 Tm 3.13; Jd 1.2; 2 Pe 2.1,10; 2 Jo 1.7), em nosso meio, nos chamando de irmãos e mais, tendo espaço para nos ensinar, claro, coisas falsas. É certo, devemos estar vigilantes, pois qualquer um pode ser um falso mestre, e só o ato sábio de checar com a Palavra de Deus, como faziam os crentes de Bereia (At 17.11) pode de fato nos livrar destas influências. Melhor seria que nós os confrontássemos e os ajudássemos a temer a Palavra de Deus.
Por que não verifiquemos uma das mensagens muito presente na atualidade, que transmite o que seria, no dizer de alguns, uma promessa de Deus para os crentes de hoje: “comerás o melhor desta terra”. Será mesmo? Em que contexto? Em que condições? E por que o Apóstolo Paulo passou fome (2 Co 11.24-28)? E por que a maioria maciça da igreja primitiva sofreu muito? E nesta vida nem chegou perto destas promessas? Nós somos melhores que eles? Ou nós somos quem estamos procurando bênçãos erradas?  Em que bases um homem temente a Deus transmite uma promessa destas? Seria com base na Bíblia?
Bem, precisamos verificar. O texto bíblico de Isaías 1.19 traz o texto: “comereis o melhor desta terra”. E nós, que temos por natureza querer agradar a carne, gostamos disto, não é mesmo. É nossa natureza. Então por natureza construímos nosso próprio evangelho, cheio dos textos que gostamos, que nos alegram, que nos prometem coisas interessantes, que não nos comprometam. E ficamos vivendo em nosso conforto. E Deus sabe como me pesa escrever isto, pois a minha natureza pede a mesma coisa.
Mas e o texto de Isaías, autoriza que “profetizemos” na vida de nosso irmão, que ele comerá do melhor desta terra? Vejamos qual é o contexto. No verso 10 (Is 1.10) o destinatário da palavra é anunciado. São os governantes e povo de Judá e Jerusalém, nos dias do rei Uzias. Eles são chamados aqui de príncipes de Sodoma e habitantes de Gomorra, pelo estado de rebeldia e corrupção em que viviam.  Isaías foi chamado a profetizar em uma época cheia de rituais vazios, sem fé genuína (aquela alicerçada na vontade de Deus), sem amor, sem compreensão. A esta época, e a este povo de coração rebelde Deus questiona, através de Isaías, “de que valem os teus sacrifícios?” (v.11) Então dispensa suas ofertas (v.13), fala da ofensa que são suas celebrações (v. 13,14) e anuncia que não ouve suas orações (v.15).
Então é anunciada pelo Senhor a possibilidade da virada. “Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos; cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas. Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor; ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a lã. Se quiserdes e me ouvirdes, comereis o melhor desta terra” (Isaías 1.16-19).  
Como é lindo e entusiasmador quando, em uma pregação, ouvimos afirmativas de vitória e poder, com promessas maravilhosas, ainda mais como vindas de Deus. Mas este é o defeito das pregações: apelam muito para as emoções e pouco para a razão. A reflexão sobre o contexto é essencial. Extrair a lição de Deus para nossas vidas, entendendo o que estava acontecendo, nos ajudará a evitar falácias. Muitos pregadores ou usam de má fé (e como vemos isto hoje em dia) ou de fato também não foram alcançados pela preocupação com o estudo do que realmente é uma mensagem contextualizada, tanto em relação a sua origem, como em relação a sua aplicação hoje.
Deus estava chamando o povo de Israel a uma conversão. Eles estavam ofendendo a Deus com práticas ritualísticas, com o coração vazio. E pior, tinham práticas de usura, corrupção, maldade na vida cotidiana. Não tinham corações comprometidos com o amor de Deus.  O contexto era de um povo que recebeu a promessa de habitar em uma terra onde mana leite e mel (Ex 3.17), mas devido a suas rebeliões, viviam assolados por outros povos (Is 1.7).
Aquele povo precisava se converter de seus maus caminhos, para tomar posse das promessas de Deus para suas vidas. Essa mensagem é válida, e melhor, necessária para nós. Precisamos de conversão genuína, para herdarmos as promessas de Deus para nós. Na situação deles, a promessa era inicialmente terrena, de uma nação estruturada, abençoada, forte, que seria instrumento de glorificação para o nome de Deus entre as outras nações. Para a Igreja, nós, a promessa é de reinar com Cristo Jesus. Não é uma promessa terrena e temporal, mas espiritual e eterna. Muito superior.
Para a igreja não foi feita esta promessa. Pelo contrário, Jesus disse que, “se a mim me perseguiram, também vos perseguirão a vós” (Jo 15.20).  A igreja salva (igreja teologicamente é o conjunto de todos os salvos, mas acrescento o termo “salva” para distingui-la da igreja institucional, que não é necessariamente salva) é uma igreja perseguida. Os registros bíblicos assim comprovam: “Naquele dia levantou-se grande perseguição contra a igreja que estava em Jerusalém; e todos exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e da Samaria” (At 8.1 ); “Mas os judeus incitaram as mulheres devotas de alta posição e os principais da cidade, suscitaram uma perseguição contra Paulo e Barnabé, e os lançaram fora dos seus termos (At 13.50).
As realidades das dificuldades pelas quais sempre passou a igreja devem ser objeto de nossas reflexões. Devemos ler livros que contam sobre a morte de nossos irmãos nos coliseus romanos, em como eles se reuniam em florestas, cavernas e catacumbas. Conhecer mais sobre o sofrimento de milhões de irmãos nos dias de hoje, em igrejas subterrâneas (proibidas por governos, ilegais, mas verdadeiramente fieis), igrejas em regiões de profunda miséria. Pesquisar sobre o sofrimento de milhares de missionários em regiões desafiadoras, como o mundo muçulmano, indú, e outros lugares onde o evangelho é proibido. Precisamos partilhar da dor de pastores fieis, homens e mulheres que intercedem para que vidas sejam libertas das garras da ignorância, assim como as vividas pelos judeus dos dias de Isaías.
Há uma igreja viva, batalhando para cumprir seu propósito nesta terra, que não tem tempo para se preocupar em comer o melhor desta terra, até porque não é esta a promessa para ela, não neste tempo presente. É até possível que alguns se considerem mais merecedores que Estevão, Paulo, todos os demais apóstolos, que a igreja primitiva inteira, e que a igreja que sofre hoje, e, enquanto aqueles padeceram por viverem uma fé que comprometia 100% (cem por cento) de sua vida, estes podem falar em direitos espirituais, de filhos do Rei, desconectados da vontade deste Rei. Mas com certeza isto não é bíblico.
As previsões para a igreja sempre foram diferentes, a tal ponto de o Apóstolo Paulo nos prevenir dizendo que nada pode nos separar do amor de Cristo (Rm 8.35-39).  Nós temos a promessa de comer da mesa do Senhor. Não é do melhor desta terra, mas da mesa do próprio Deus, nosso Senhor Jesus Cristo. É a ceia das bodas do Cordeiro (Ap 19.19). Aqui vigiemos, pois o Reino de Jesus não é deste mundo (Jo 18.36)
Ouçamos o Espírito Santo através de Paulo, quando diz: Irmãos, sede meus imitadores, e atentai para aqueles que andam conforme o exemplo que tendes em nós; porque muitos há, dos quais repetidas vezes vos disse, e agora vos digo até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo; cujo fim é a perdição; cujo deus é o ventre; e cuja glória assenta no que é vergonhoso; os quais só cuidam das coisas terrenas. Mas a nossa pátria está nos céus, donde também aguardamos um Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o corpo da nossa humilhação, para ser conforme ao corpo da sua glória, segundo o seu eficaz poder de até sujeitar a si todas as coisas (Fp 3.17-21).
Aquela promessa abençoada feita aos cidadãos de Judá e Jerusalém tinha um contexto e um versículo seguinte. O contexto vimos. O verso seguinte dizia: “Mas, se recusardes e fordes rebeldes, sereis devorados à espada; porque a boca do Senhor o disse” (Is 1.20). Isaías profetizou entre os anos de 742 a 687 a.C, aproximadamente. Em 722 a Assíria toma o Reino de Israel. E Judá passa a lhe pagar tributo. Em 586 a.C. Judá é tomado pela Babilônia. Caiu. Ou seja, a promessa não se cumpriu, pois a condição não foi cumprida. E até hoje não se restaurou ainda.  A nossa promessa ainda podemos fazê-la concreta em nossas vidas.

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